A proposta de abuso de autoridade de autoria do Sen. Renan Calheiros será voltada antes do fim do foro privilegiado.

O anteprojeto prevê que sejam sujeitos ativos do crime de abuso de autoridades os membros de Poder, os membros do Ministério Público e dos tribunais de contas e agentes da Administração Pública, servidores públicos, civis ou militares, ou a eles equiparados.O sujeito passivo do abuso de autoridade não é só o cidadão, mas também a Administração Pública.

O interesse em reprimir a conduta abusiva transcende a esfera individual do cidadão. Por isso, sugere-se a adoção da ação penal pública incondicionada, para a persecução dos crimes de abuso de autoridade, bem assim a admissão da ação privada subsidiária, nos termos do Código de Processo Penal.

Como efeito da condenação, sugere-se tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime, fixando o Juiz na sentença o valor mínimo para a sua reparação; a perda do cargo, mandato ou função pública; inabilitação para o exercício de cargo, mandato ou função pública.

Admite-se a substituição da pena privativa de liberdade por privativa de direitos, nos termos do Código Penal, além da suspensão do exercício do cargo, mandato ou função, sem vencimentos, e a proibição de exercer função de natureza policial no distrito da culpa.

A punição pelo crime de abuso de autoridade não isenta o agente público de responder pelas consequências disciplinares e civis de seu ato. Por isso, a autoridade disciplinar deve ser comunicada do fato, para a devida apuração. Propõe-se a tipificação da prisão ilegal, do prolongamento ou manutenção indevida da prisão ou da execução da pena e da violação dos direitos do preso.

De modo inovador, propõe-se ainda tipificar a conduta de constranger o preso com o intuito de obter favor ou vantagem sexual; com o objetivo de exposição ou de exibição pública ou aos meios de comunicação ou de produzir provas contra si mesmo. Outrossim, tipifica o uso indevido de algemas.

Sugere-se a tipificação do constrangimento de alguém a prestar depoimento quando não for obrigado, da submissão do preso a interrogatório durante o repouso noturno, da manutenção de presos de sexos opostos no mesmo ambiente prisional. O exercício do direito de defesa também mereceu atenção do anteprojeto, que sugere tipificar o embaraço ao exercício do direito de petição do preso, ou de entrevistar-se com seu advogado, ou do réu de comunicar-se com seu defensor durante a investigação criminal ou a instrução processual.

Tipificou-se condutas que ofendam à inviolabilidade do domicílio, inclusive mediante cumprimento de mandado judicial em afronta à ordem que o autorizou, bem como a prestação de informações falsas com a finalidade de prejudicar o investigado ou a parte, e a recusa em dar acesso aos autos ao defensor ou decretar abusivamente sigilo dos autos para obstar o acesso do advogado.

A fraude processual com o objetivo de incriminar ou agravar a situação do investigado ou réu, ou de isentar ou atenuar a responsabilidade do agente público que tenha cometido abuso de autoridade também deve passar a ser crime. O exercício abusivo do poder de dar início a persecução penal contra quem o sabe inocente, o excesso de prazo injustificado para a conclusão da investigação ou da fiscalização, ou sua prorrogação abusiva, com a finalidade de causar constrangimento, sugere-se também sejam tipificados.

Exigir de alguém o cumprimento de obrigação, ou o dever de fazer ou não fazer, sem fundamentação legal, impedir abusivamente o exercício do direito de reunião ou de manifestação,ou deixar de corrigir erro que sabe existir em processo, com o fim de causar constrangimento ao interessado ou exceder-se no cumprimento de ordem legal ou mandado judicial, sem justa causa,também devem ser tipificados.

Por fim, no âmbito da tipificação penal, destacam-se a inclusão de 2 novos crimes: O primeiro deles, a famosa “carteirada”, que é a utilização do cargo ou função para se eximir do cumprimento de obrigação legal ou para obter vantagem ou privilégio. O segundo, o uso abusivo dos meios de comunicação ou de redes sociais pela autoridade encarregada da investigação que antecipa a atribuição de culpa, antes de concluída a investigação e formalizada a acusação.

O anteprojeto não proíbe a divulgação da investigação, permitindo que o seu encarregado preste contas do que foi feito e porque o foi, como mecanismo de indispensável transparência. Contudo, na divulgação de uma investigação pública, quem a conduz não deve fazer acusações ou adiantar conclusões sobre a culpa do suspeito, porquanto o quebra-cabeças ainda não foi montado, não se sabe qual a imagem vai aparecer ao final e é grande o risco de se cometer injustiças e leviandades e causar prejuízos, não só ao indivíduo, mas também ao interesse público. Por outro lado, o anteprojeto procurou evitar a tipificação da hermenêutica. Isso porque,não se confunde com abuso de autoridade a aplicação da lei pelo agente público e a avaliação de fatos e provas, no exercício de sua independência funcional, com as quais não se concorde ou não se conforme, desde que as faça de modo fundamentado.

A divergência na interpretação da lei ou na avaliação dos fatos e das provas deve ser resolvida com os recursos processuais cabíveis, não com a criminalização da hermenêutica ou com atentado às garantias constitucionais próprias dos agentes políticos, que são cláusulas pétreas e pilares do Estado Democrático de Direito. Evitou-se engessar o juiz ou o membro do Ministério Público, desamarrando-o da necessidade de adotar interpretação de acordo com a jurisprudência atual, ainda que minoritária. Optou-se por manter a permissão para inovar.

A capacidade de inovar é que evitou que ainda hoje estivéssemos aplicando os mesmos conceitos e soluções jurídicas do século XIX. As garantias e os direitos que foram reconhecidos pelos tribunais ao longo das últimas décadas, e que tiveram seu início em decisões inéditas, desbravadoras ou pioneiras de juízes de primeiro grau, não existiriam se lhes fosse castrada a possibilidade de inovar. Também evitou-se colocar camisa de força na autoridade, obrigando-a a adotar apenas a modalidade literal de interpretação da lei. A interpretação gramatical é apenas um dos métodos internacionalmente consagrados de hermenêutica. E nem é a melhor ou mais festejada. Ao seu lado temos, ainda, a interpretação lógica, a interpretação sistemática, a interpretação histórica, a interpretação sociológica, a interpretação teológica e a interpretação axiológica. Ao lado da interpretação literal, temos ainda a interpretação restritiva (em geral aplicável às exceções à norma)e a interpretação extensiva.

Se houvéssemos adotado norma penal que punisse qualquer outra interpretação da lei que não a literal, a declaração incidental da inconstitucionalidade da lei, modalidade de controle difuso, por exemplo, estaria vedada. Voltaríamos aos tempos em que juízes eram condenados por abuso de autoridade por recusarem-se a aplicar uma lei ofensiva à Constituição, com a desvantagem de não termos mais Rui Barbosa para defendê-los, como fizera outrora.

Por fim, registre-se que evitou a técnica da elaboração de tipos penais abertos,verdadeiros curingas hermenêuticos, de conteúdo vago e impreciso, que poderia encontrar preenchimento naquilo que o interessado quisesse, o que causaria enorme insegurança jurídica e faria com que as autoridades brasileiras temessem aplicar a lei, sobretudo contra poderosos. Portanto, são essas as contribuições encaminhadas ao parlamento.

O presente texto busca aprimorar o conteúdo de tão importante instrumento legal que visa a combater abusos praticados por agente públicos, sem, contudo, embaraçar a atividade da administração pública, por meio de seus agentes. Requer-se, assim, o apoio dos Excelentíssimos Senhores e Senhoras membros do Congresso Nacional para a aprovação do texto.

Fonte Original MPF: https://goo.gl/Z4VTEo