“A noite nunca tem fim, por que que a gente é assim?” – Cazuza –

Ministro do Supremo Tribunal Federal faz uma análise da categoria sociológica do jeitinho, identificando seus (poucos) traços positivos, seus aspectos negativos e contextualizando-o em suas influências sobre a realidade contemporânea brasileira. A conclusão é que o jeitinho brasileiro tem custos morais elevados e, na maior parte de suas manifestações, deve ser superado pelo avanço civilizatório.

BREVE NOTA SOBRE A COLONIZAÇÃO BRASILEIRA

Nos primeiros anos após a descoberta, Portugal nutriu pouco interesse pelas novas terras. Nas primeiras três décadas, vieram predominantemente degredados, indivíduos condenados que tinham a pena comutada e eram lançados para serem precursores da colonização. A colonização de fato do Brasil só começa com as capitanias hereditárias, a partir de 1532: o rei D. João III, para coibir o avanço francês sobre a costa brasileira, dividiu o território nacional em 14 frações, cuja posse foi entregue a capitães donatários para desenvolvê-las com recursos próprios. Seguindo um modelo de base feudal, os donatários detinham amplos poderes, que incluíam a exploração econômica, a arrecadação de tributos, a autoridade sobre os habitantes do território e o monopólio da justiça. Podiam, também, fundar vilas e doar sesmarias, isto é, largas extensões de terra. Está aí a origem da formação de latifúndios na estrutura fundiária brasileira. Os portugueses que aqui aportavam eram aventureiros ou vinham sem as famílias, em busca de fortuna rápida. E, a partir de 1539, começou a vinda de escravos. Estima-se que entre 1550 e 1855, cerca de 4 milhões de negros foram trazidos compulsoriamente da África para o Brasil. A religião oficial era, naturalmente, o catolicismo.

O modelo de capitanias hereditárias não produziu os resultados desejados, mas só veio a ser formalmente extinto em 1821. Todavia, o ponto que se quer aqui assentar é que o Brasil só começou verdadeiramente como país em 1808, com a vinda da família real, fugindo de uma Europa à mercê de Napoleão. Até então, os portos eram fechados a todas as nações que não Portugal, i.e., não havia comércio exterior. A metrópole proibia a construção de estradas e a existência de manufaturas. Não havia escolas e 98% da população era analfabeta. Um terço dos habitantes da colônia eram escravos. Mais que tudo, não éramos herdeiros da tradição cultural e política que produziu, por exemplo, a Magna Carta inglesa, ainda em 1215, mas, sim, do último país da Europa a acabar com a Inquisição, com o tráfico negreiro e com o absolutismo. Começamos lá atrás e percorremos um longo caminho, até nos tornarmos uma relevante democracia de massas e uma das dez maiores economias do mundo. Mas o fato é que o período colonial nos legou disfunções que sucessivas gerações de brasileiros têm procurado derrotar.

ALGUMAS DISFUNÇÕES DA COLONIZAÇÃO BRASILEIRA

Três disfunções atávicas marcam a trajetória do Estado brasileiro: o
patrimonialismo, o oficialismo e a cultura da desigualdade. O patrimonialismo remete à nossa tradição ibérica, ao modo como se estabeleciam as relações políticas, econômicas e sociais entre o Imperador e a sociedade portuguesa, em geral, e com os colonizadores do Brasil, em particular. Não havia separação entre a Fazenda do rei e a Fazenda do reino, entre bens particulares e bens do Estado. Os deveres públicos e as obrigações privadas se sobrepunham. O rei tinha participação direta e pessoal nos tributos e nos frutos obtidos na colônia. Vem desde aí a difícil separação entre esfera pública e privada, que é a marca da formação nacional. É um traço tão forte que a Constituição brasileira precisou de um dispositivo expresso para vedar que os agentes públicos utilizassem dinheiro público para promoção pessoal. A aceitação resignada do inaceitável se manifesta na máxima “rouba, mas faz”.

A segunda disfunção que vem de longe é o oficialismo. Esta é a característica que faz depender do Estado – isto é, da sua bênção, apoio e financiamento – todos os projetos pessoais, sociais ou empresariais. Todo mundo atrás de emprego público, crédito barato, desonerações ou subsídios. Da telefonia às fantasias de carnaval, tudo depende do dinheiro do BNDES, da Caixa Econômica, dos Fundos de Pensão, dos cofres estaduais ou municipais. Dos favores do Presidente, do Governador ou do Prefeito. Cria-se uma cultura de paternalismo e compadrio, a república da parentada e dos amigos. O Estado se torna mais importante do que a sociedade. Um dos subprodutos dessa compulsão se expressa na máxima do favorecimento e da perseguição: “Aos amigos tudo; aos inimigos, a lei”.

A cultura da desigualdade é o nosso terceiro mal crônico. A igualdade no mundo contemporâneo se expressa em três dimensões: a igualdade formal, que impede a desequiparação arbitrária das pessoas; a igualdade material, que procura assegurar as mesmas oportunidades a todos; e a igualdade como reconhecimento, que busca respeitar as diferenças de gênero e proteger as minorias, sejam elas raciais, de orientação sexual ou religiosas. Temos problemas nas três dimensões. Como não há uma cultura de que todos são iguais e deve haver direitos para todos, cria-se um universo paralelo de privilégios: imunidades tributárias, foro privilegiado, juros subsidiados, auxílio moradia, carro oficial, prisão especial. A caricatura da cultura da desigualdade ainda se ouve, aqui e ali: “Sabe com quem está falando?”.

Vistos alguns aspectos da história colonial e da formação social brasileira, passa-se ao exame do jeitinho brasileiro, com sua projeção nos diferentes domínios da vida.

O JEITINHO BRASILEIRO

I. TENTATIVA DE DEFINIÇÃO

Jeitinho brasileiro é uma expressão que comporta múltiplos sentidos, facetas e implicações. Inúmeros autores identificam nele um traço marcante da formação, da personalidade e do caráter nacional. Há quem analise o fenômeno com uma visão mais romântica, vislumbrando certas virtudes tropicais. Existem, por outro lado, análises críticas severas das características associadas ao jeitinho, reveladoras de alguns vícios civilizatórios graves. Na sua acepção mais comum, jeitinho identifica os comportamentos de um indivíduo voltados à resolução de problemas por via informal, valendo-se de diferentes recursos, que podem variar do uso do charme e da simpatia até a corrupção pura e simples. Em sua essência, o jeitinho envolve uma pessoalização das relações, para o fim de criar regras particulares para si, flexibilizando ou quebrando normas sociais ou legais que deveriam se aplicar a todos. Embutido no jeitinho, normalmente estará a tentativa de criar um vínculo afetivo ou emocional com o interlocutor.

II. A VISÃO ROMÂNTICA E A DURA REALIDADE

Na vertente positiva ou, ao menos, inofensiva, o jeitinho se manifesta em algumas características da alma nacional: uma certa leveza de ser, que combina afetividade, bom humor, alegria de viver e uma dose de criatividade. Há, entre nós, uma preocupação existencial em ser gente boa, desenvolvendo amizades, cultivando empatias, gentilezas e ajuda mútua. Ainda que apenas superficialmente. A afetividade se expressa, com frequência, em abraços, beijos e o hábito de tocar no interlocutor. Há quem estranhe esse comportamento. Tenho uma história real sobre isso. Eu era advogado de uma empresa cujos controladores eram ingleses. Com alguma frequência, vinha um advogado britânico participar de reuniões que duravam alguns dias e terminavam na 6a feira. Em uma dessas vezes, aproximando-se o final da semana e, portanto, de sua volta para casa, o fleumático cidadão britânico me confidenciou, bem baixinho: “Ai, meu Deus, agora vem a pior parte: as despedidas. Todo mundo me abraça, me aperta, me sacode…”. O jeitinho constitui, também, um meio de enfrentar as adversidades da vida. Está muitas vezes ligado à sobrevivência diante das desigualdades sociais, das deficiências dos serviços públicos e das complexidades legislativas e burocráticas do Brasil. Um critério para saber se o jeitinho é aceitável ou não: verificar se há prejuízo para outra pessoa, para o grupo social ou para o Estado.

Infelizmente, porém, há uma soma de aspectos negativos no jeitinho
que fazem com que o conjunto da obra não possa merecer um juízo favorável. Na vertente negativa, a ideia de jeitinho congrega características que não são edificantes. Sem nenhuma intenção de hierarquizá-las, começo pelo improviso, a incapacidade de planejar, de cumprir prazos e, em última análise, de cumprir a palavra. Vive-se aqui a crença equivocada de que tudo se ajeitará na última hora, com um sorriso, um gatilho e a atribuição de culpa a alguma fatalidade (falsamente) inevitável, e não à imprevidência. Por exemplo: o Brasil foi eleito, em 2007, para sediar a Copa do Mundo de 2014. Sete anos antes. Quando a data finalmente chegou, nem os estádios, nem os aeroportos, nem as intervenções urbanas estavam concluídas. E tudo isso antes da crise econômica e da recessão que sobreveio. Como de hábito, as coisas terminaram improvisadas e deficientes. O problema aqui não foi a corrupção – ou não apenas –, mas sim a práticado jeitinho, que assume a forma da mediocridade: a ausência de pessoas capazes de cumprirem bem o próprio papel, fazendo a tempo e a hora o que lhes compete fazer.

Uma outra característica intrinsecamente ligada ao jeitinho é colocar o sentimento pessoal ou as relações pessoais acima do dever para com o próximo e a sociedade. É o individualismo que se manifesta, não na liberdade ou na inovação, mas na falta de cerimônia em passar o outro para trás. O nepotismo é um exemplo emblemático dessa disfunção: o favorecimento dos parentes ou dos amigos na indicação para o cargos públicos de livre nomeação ou na contratação de serviços. Quando o Supremo Tribunal Federal julgou uma ação que veio a proibir o nepotismo no Poder Judiciário, um desembargador declarou à imprensa: “Se eu não fizer pelos meus, quem fará?”. Há, também, uma certa expectativa de compadrio, de troca de favores, de solidariedade de grupos. Eu cheguei ao Supremo Tribunal Federal vindo da advocacia. Mais de uma vez chegou a mim a queixa de que eu “virei as costas aos amigos” e que sou um juiz muito duro. Não sou. Mas sou sério, e isso frustrou a expectativa de quem esperava acesso privilegiado e favorecimentos.

O pacote negativo inclui, também, o sentimento de desigualdade, de que as regras são para os outros, para os comuns, e não para os especiais como eu. E aí não é preciso respeitar a fila, é possível parar o carro na calçada ou entregar a documentação fora do prazo. Por vezes, a quebra de regras sociais transforma-se em violação direta e aberta da lei. E aí vêm as pequenas fraudes, como o atestado médico falso, a nota de táxi superfaturada para aumentar o reembolso ou a cobrança de preço diferente com nota ou sem nota. E depois, sem surpresa, vem a corrupção graúda, de quem paga propina para vencer a licitação, de quem obtém inside information para investir no mercado financeiro com lucros maiores do que os outros ou de quem paga vantagem ao diretor do fundo de pensão de empresa estatal para ele colocar dinheiro dos associados em um negócio pouco vantajoso.

Improviso, sentimentos e interesse pessoais acima do dever, compadrio, cultura da desigualdade, quebra de normas sociais e violação da lei que vale para todos não são traços virtuosos, não podem fazer parte do charme de um povo e muito menos ser motivo de orgulho. Nesses exemplos, o jeitinho nada tem de positivo e consiste, na verdade, em desrespeito ao outro, em desconsideração à sociedade como um todo e em condutas simplesmente criminosas. É preciso retirar o glamour do mal e tratá-lo como tal: como um problema que precisa ser superado.

III. ALGUNS EXEMPLOS CONTEMPORÂNEOS

Antes de explorar alguns exemplos contemporâneos e emblemáticos da realidade brasileira, cabe fazer duas anotações importantes.

A primeira: o jeitinho alimenta o mito do brasileiro cordial. O cor ou cordis vem de coração e revela o primado da emoção e do sentimento nas relações interpessoais, acima dos formalismos e do verniz superficial da polidez. A cordialidade, nesta acepção, reconduz à versão positiva do jeitinho, manifestado na pessoalização das relações sociais pela afetuosidade, informalidade e bom humor. Mas esta é, também, a raiz das disfunções apontadas acima, que se materializam na indisciplina, no desapreço aos ritos essenciais, no individualismo que se sobrepõe à esfera pública. O mito da cordialidade enfrenta outras dificuldades quando confrontado com alguns dados do país real: o número assombroso de mortes violentas, o machismo ainda indomado, a violência contra mulheres, o racismo velado… Os exemplos são muitos.

A segunda anotação é que o jeitinho exibe uma relação ruim com a lei em geral . Leis têm caráter geral e obrigatório, isto é, valem para todos em igual situação e devem ser obedecidas. Aqui temos dois problemas. Um, diz respeito, de novo, à questão da igualdade: há os que se consideram acima da lei, por sua riqueza ou seus cargos. É o sentimento aristocrático, o representante do rei. O outro problema relaciona-se à legalidade propriamente dita: como o país tem uma tradição autoritária e hierárquica, o cidadão comum vai desenvolvendo mecanismos de se subtrair à norma e à autoridade. Isso poderia se justificar na colônia ou na ditadura. Mas não faz sentido em uma democracia. Esse tipo de jeitinho, aliás, termina por confrontar-se com duas grandes conquistas ligadas ao Estado de direito e à democracia: a legalidade (i.e., o respeito às leis) e a igualdade (todos são iguais perante a lei).

Temos problemas relacionados ao jeitinho assim na ética pública como na ética privada. E em graus diferentes, tanto envolvendo a quebra de normas sociais quanto a violação da lei. Por ética pública eu me refiro ao comportamento dos agentes públicos e às relações entre os indivíduos e o Poder Público. Por ética privada quero significar as relações interpessoais e sociais entre as pessoas, a consideração maior ou menor que uma tem pela outra.

1. Jeitinho e ética pública

No que diz respeito à ética pública, a verdade é que criamos um país devastado pela corrupção. Não foram falhas pontuais, individuais, pequenos deslizes ou acidentes. Foi um modelo institucionalizado, que envolve servidores públicos, empresas privadas, partidos políticos e parlamentares. Eram organizações criminosas, que captavam recursos ilícitos, pagavam propinas e distribuíam dinheiro público para campanhas eleitorais ou para o bolso. Isto é, para fraudar o processo democrático ou para fins de enriquecimento ilegítimo. É impossível não sentir vergonha pelo que aconteceu no Brasil.

O jeitinho brasileiro contribui para esse estado de coisas. Em primeiro lugar, o hábito de olhar para o outro lado para não ver o que está acontecendo. Como consequência, as pessoas no Brasil se surpreendem como o que já sabiam. Ou alguém imaginava que partidos políticos se engalfinhavam para indicar diretores de empresas estatais para fazerem coisas boas, para melhor servirem ao interesse público? Essa era uma tragédia previsível. Ainda assim, o país se deu conta, horrorizado, que quase todo o espaço público estava tomado pela corrupção: Petrobras, Caixa Econômica Federal, Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES, Fundos de Pensão. A corrupção virou meio de vida para alguns e modo de fazer negócios para outros. Não se trata de fenômeno de um governo específico, mas que vem acumulando desde muito longe. A corrupção favorece os piores. É a prevalência dos espertos e a derrota dos bons.

Uma das causas da corrupção é a impunidade. Temos uma dificuldade cultural em punir. A punição é incompatível com a cordialidade, supõe o imaginário social brasileiro. Há uma bela música do Chico Buarque, chamada “Fado Tropical”, em que uma voz portuguesa declama ao fundo um verso que diz: “E se a sentença se anuncia bruta, mais que depressa a mão cega a executa, pois que se não o coração perdoa”. Assim somos, sentimentais e lenientes. Daí os processos que não acabam nunca, mesmo depois de sucessivas condenações; a prescrição que extingue a punibilidade; a nulidade inventada ou “descoberta” ao final do processo, impedindo o desfecho; o foro privilegiado, impedindo ou retardando a punição dos poderosos ou, pior, usado para ajudar os amigos e perseguir os inimigos. E se tudo der errado, anistia-se o caixa 2.

2. Jeitinho e ética privada

Já a ética privada está ligada aos valores e propósitos que norteiam a conduta de cada um, bem como ao grau de respeito pelo outro, quer individualmente ou socialmente. A vida boa inclui a boa-fé (não querer passar ninguém para trás), a boa-vontade (ter uma atitude construtiva em relação a todos) e a compaixão (ser solidário com o sofrimento alheio). O compromisso com o bem está presente em todas as grandestradições filosóficas e religiosas universais, materializado na regra de ouro: trate os outros como gostaria de ser tratado. Immanuel Kant enunciou a mesma ideia em uma frase memorável: “Aja de tal forma que a máxima que inspira a sua conduta possa se transformar em uma lei universal”. Parece complexo, mas é muito simples. Diante da dúvida razoável acerca do modo certo de agir, duas perguntas, como regra geral, poderão resolver o problema: “E se fizessem isso comigo?”; ou, então: “E se todo mundo se comportasse assim”?

Pois bem: o jeitinho oscila em uma escala que vai do favor legítimo à corrupção mais escancarada. E é precisamente porque algumas de suas manifestações não são condenáveis, que ele termina sendo aceito de forma generalizada, sem que se distinga adequadamente entre o certo e o errado, o bem e o mal. A pergunta chave a ser feita aqui para saber se o jeitinho é legítimo ou não é a seguinte: esta conduta traz prejuízo para outra pessoa, para o grupo social ou para o Estado? Se a resposta for afirmativa, dificilmente haverá salvação. Há transgressões óbvias, como furar a fila, ultrapassar pelo acostamento ou desviar suprimentos da empresa em que se trabalha. E há outras que são racionalizadas pela afetividade: há quem acredite que fazer pela família e pelos amigos, mesmo contra o interesse coletivo, é ser solidário, e não egoísta.

Concluo com dois exemplos recentes, que testemunhei pessoalmente. O primeiro: em uma reunião social, ouvi um interlocutor queixar-se contra as mazelas do país, sobretudo a corrupção. Em seguida, narrou que a empregada que contratara não queria assinar a carteira, de modo a não perder o valor que recebia como bolsa-família. Naturalmente, isto é errado. Pouco à frente, contou que a filha vivia conjugalmente com um companheiro, tinha filhos e uma linda família. Mas que não se casara para não perder a pensão que lhe deixara o avô, e que só beneficia mulheres solteiras. A percepção da primeira atitude como condenável e da segunda como aceitável é sintomática de uma sociedade que pratica uma moral dupla: quando eu faço é legítimo, quando os outros fazem é errado. Evidentemente, a conduta estava errada nos dois casos. A segunda: tenho conhecidos, bem postos na vida, que em determinadas reuniões sociais com muitos convidados, dão dinheiro aos garçons para serem melhor servidos. A prática é vista como inofensiva, quase como uma generosidade, mas na verdade ela traz em si dois problemas: (i) a crença de que as pessoas podem ser compradas; e (ii) a crença de que uns são melhores do que os outros e merecem ser mais bem servidos. Para darmos o salto civilizatório de que precisamos, é preciso que cada um comece a mudança por si próprio. A ética pública, de que tanto nos queixamos, é em grande medida espelho da ética privada.

CONCLUSÃO

O jeitinho brasileiro é produto de algumas características da colonização e da formação nacionais. Ele se traduz na pessoalização das relações sociais e institucionais e importa, muitas vezes, no afastamento de regras que deveriam valer para todos. Em sua vertente positiva, ele revela uma certa leveza de ser, combinando traços de afetividade, criatividade e solidariedade. Presta-se, assim, em muitas situações, para superar as adversidades da vida, em um país marcado por desigualdades sociais, deficiências dos serviços públicos e complexidades burocráticas. Infelizmente, porém, as facetas negativas superam em quantidade e qualidade os aspectos mais glamorosos do jeitinho.

Improviso, relações familiares e pessoais acima do dever e a cultura da desigualdade contribuem para o atraso social, econômico e político do país. Mais grave, ainda, o jeitinho importa, com frequência, em passar os outros para trás, em quebrar normas éticas e sociais ou em aberta violação da lei. Em todas essas situações, ele traz em si um elevado custo moral, por expressar um déficit de integridade pessoal e de republicanismo. Em desfecho deste ensaio, então, é possível concluir que, salvo nas hipóteses pontuais e específicas em que se manifesta por comportamentos legítimos, o jeitinho brasileiro deverá ser progressivamente empurrado para a margem da história pelo avanço do processo civilizatório.
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