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Brasil, séc. XVIII: Para escapar dos elevadíssimos impostos cobrados pelo rei de Portugal durante o auge da mineração, proprietários de minas e grandes senhores de terras da colônia colocavam parte de seus ganhos no interior de imagens ocas de santos, feitas de madeira. Algumas delas eram enviadas a parentes de outras províncias, e até de Portugal, como se fossem presentes.
Brasil, 2005: Agentes da Polícia Federal em São Paulo detiveram o assessor parlamentar José Adalberto Vieira da Silva, no aeroporto de Congonhas, com R$ 200 mil em uma valise e US$ 100 mil presos ao corpo, na cueca. Adalberto trabalhava para o deputado estadual cearense José Nobre Guimarães, atual líder do governo na Câmara. O Ministério Público afirmou, na época, que os dólares eram propina que Guimarães receberia por intermediar contratos.

Os anos passaram e só os métodos mudaram. O termo “corrupção” é derivado do latim corruptione, que significa corrompimento, deterioração, decomposição, depravação, suborno, enfim, expressa conduta que rompe com o código moral ou social vigente numa sociedade, em determinada época, e representa problema relacionado ao desvio ético da conduta de um indivíduo.

A corrupção é histórica e estrutural, mas não é exclusiva do governo, deriva de distorção dos padrões éticos na sociedade. Dessa forma, pode ser compreendida levando-se em consideração aspectos morais que estão pressupostos na prática social ordinária. É fundamental considerar os aspectos normativos envolvidos no tema da corrupção e o modo como a construção de sua significação social depende de valores que circulam no plano da sociedade […]. Por esse postulado, a corrupção deve ser analisada em uma dimensão sistêmica que considere, de um lado, a existência de valores e normas que tenham uma conformação moral e, de outro lado, a prática social realizada no âmbito do cotidiano das sociedades [1].

Para determinar o que é corrupção faz-se necessário ter como ponto de partida os valores pré-concebidos pela sociedade no plano moral. Por conseguinte, a análise do tema é delineada pelo conteúdo normativo de moralidade, a partir do que é feito acerca de determinada ação. Sintomas da corrupção são observados quando se perdem valores fundamentais e a concepção de bem comum que fundam a comunidade.

A colonização brasileira, diferente da norte-americana, tinha como característica o extrativismo, peculiaridade que despertava cobiça e levava à prática da corrupção. Retroceder na história e buscar as raízes do problema é importante exercício para entender o porquê de a corrupção ser latente no Brasil, uma vez que o Direito é decorrência da realidade.

Os primeiros lusitanos que aqui aportaram trouxeram seus hábitos de convívio com a realeza; serviam-se da função pública para acumular fortuna pessoal de forma a lesar a coroa, sem constrangimento. Não tinham intenção de aqui se fixar para trabalhar na terra, pois isso era condição considerada mais apropriada a escravos e não a homens livres.

O código moral da época da colonização era nenhum, não havia dignidades preestabelecidas nem valores de princípio […]. Implantava-se desde essa época a lei da vantagem, que passaria a fazer parte da cultura brasileira, e que, em vários momentos de nossa história, teria aplicação, conquanto condenável [2].

Nesse contexto, não havia compromisso algum com a ordem pública e a ética; cada um que aqui chegava tinha como objetivo enriquecer rapidamente para voltar à terra natal, aproveitando-se do desinteresse da coroa em estabelecer uma organização político-administrativa na colônia.

O governo português controlava todo o comércio de riquezas extraídas da Colônia, mas, em razão da distância, muitos dos que aqui estavam viam na oportunidade uma forma de burlar a fiscalização para auferir vantagens pessoais.

O caso mais frequente era de funcionários públicos, encarregados de fiscalizar o contrabando e outras transgressões contra a coroa portuguesa e ao invés de cumprirem suas funções, acabavam praticando o comércio ilegal de produtos brasileiros como pau-brasil, especiarias, tabaco, ouro e diamante. Cabe ressaltar que tais produtos somente poderiam ser comercializados com autorização especial do rei, mas acabavam nas mãos dos contrabandistas. Portugal por sua vez se furtava em resolver os assuntos ligados ao contrabando e a propina, pois estava mais interessado em manter os rendimentos significativos da camada aristocrática do que alimentar um sistema de empreendimentos produtivos através do controle dessas práticas [3].

Com a proclamação da independência, em 1822, e a instauração da República no Brasil, as práticas corruptas passaram a adquirir outras formas, como a corrupção política e de concessão de obras públicas.

No entanto, uma das características comumente observadas em todos os períodos da História é a tolerância às práticas corruptas, num ponto de vista em que o Estado é visto como extensão do próprio sujeito, e não uma nação em que o interesse coletivo vem à frente dos demais.

A tolerância à corrupção é produto da contradição do brasileiro no que se refere a valores e práticas sociais. Segundo Filgueiras (op. cit.), “o brasileiro, de um modo geral, pensa as questões do interesse público e da coisa pública associados ao Estado e não à sociedade ou comunidade”.

David Hume já afirmava que a maioria das pessoas busca, através dos seus atos, a satisfação dos próprios interesses, não de um interesse público subjetivo, por isso a corrupção é histórica e estrutural, mas não é exclusiva do governo, deriva de distorção dos padrões éticos na sociedade.

Hoje, como causa da corrupção, além do individualismo, há as injustiças sociais, a falta de transparência no trato da coisa pública, a centralização do poder e outras atitudes antidemocráticas, que tornam a corrupção um recurso para ultrapassar essas barreiras e gerar benefícios de forma mais rápida.

No mundo contemporâneo, a corrupção é mal que afeta o Estado Democrático de Direito, portanto, é assunto constantemente debatido por organizações nacionais e internacionais. A Transparência Internacional, entidade que se dedica ao estudo da corrupção, publica anualmente um índice de percepção da corrupção que abrange cerca de 130 países.

Em 2014, o índice brasileiro foi de 43 – um ponto a mais do que em 2013, quando o país ficou em 72º lugar, de 177 países foram analisados –, ou seja, o Brasil melhorou sua posição, mas piorou sua nota. O país divide a 69ª posição com mais seis: Bulgária, Grécia, Itália, Romênia, Senegal e Suazilândia.

Com as notas mais altas, Dinamarca (92), Nova Zelândia (91), Finlândia (89), Suécia (87) e Noruega (86) foram as nações mais bem situadas no Índice de Percepção da Corrupção. No extremo da tabela aparecem Afeganistão (12), Sudão (11), Coreia do Norte (8) e Somália (8), com as notas mais baixas.

O combate à corrupção deve ser permanente, pois a busca por transparência exige funcionamento adequado de instituições capazes de controlar o uso dos bens públicos e garantir a moralidade administrativa. Nesse sentido, revela-se de suma importância o reconhecimento de que atitudes ilegais e ou imorais desrespeitam princípios e instituições democráticas.

Já dizia o Barão de Montesquieu: “a corrupção dos governantes quase sempre começa com a corrupção dos seus princípios”. A partir daí é possível concluir que a corrupção está relacionada à inobservância do conteúdo principiológico que rege o sistema normativo de um Estado.

Na Administração Pública, a corrupção pode ser definida como o emprego do poder ou da autoridade com objetivo de auferir vantagens pessoais, atitudes que se fazem presentes no exercício do monopólio estatal e no poder discricionário do Estado, mas estão ligadas, principalmente, ao mau funcionamento dos serviços públicos. Pode-se dizer que a corrupção MATA.

“A corrupção mata pessoas na porta dos hospitais, nas estradas, em razão de rodovias mal feitas, e rouba o futuro de uma geração de brasileiros por falta de escolas públicas de qualidade”, destacou o senador Pedro Taques (hoje governador do Mato Grosso) ao defender a inclusão do crime de corrupção no rol dos hediondos.

Com a ampla divulgação dos escândalos que rondam as instituições públicas percebe-se maior sensibilidade social fundada na vontade de um país diferente. A desmedida apropriação privada dos recursos públicos, em todos os níveis de governo, cria entrave ao pleno desenvolvimento do Brasil como nação moderna.

Entre as diversas campanhas que visam chamar a atenção da população para o tema estão:

– “Não Aceito Corrupção”: Idealizada e coordenada nacionalmente pelo promotor de justiça Roberto Livianu, atual presidente do MPD – Movimento do Ministério Público Democrático (ONG fundada em 1991 por Promotores de Justiça e Procuradores do MP de todo o Brasil), a campanha foi lançada em 2012 e tem como principal objetivo contribuir para a mudança da cultura da corrupção no Brasil. “Sinalizar os danos causados pela corrupção e cuidar para não comprometer o direito das futuras gerações”, destacou o idealizador.

– “Pequenas Corrupções – Diga Não” foi criada pela Controladoria-Geral da União (CGU) e tem como objetivo principal conscientizar os cidadãos para a necessidade de combater atitudes antiéticas – ou até mesmo ilegais –, que costumam ser culturalmente aceitas e ter a gravidade ignorada ou minimizada. As imagens da campanha foram inicialmente divulgadas nas redes sociais pela CGU, em junho de 2013.

– “Corrupção Não”, lançada em maio de 2015, é realização do Ministério Público Federal brasileiro, em parceria com a Associação Ibero-americana de Ministérios Públicos (AIAMP). Realizada simultaneamente em 21 países, a iniciativa quer mobilizar o maior número de pessoas possível em torno de uma ideia simples: o primeiro passo para acabar com esse problema é dizer “NÃO” a qualquer atitude corrupta.

A corrupção pode não ser extinta, mas pode ser controlada. É possível alterar e melhorar o cenário atual, porque a mudança está em cada um de nós, e começa nas “pequenas” atitudes do dia-a-dia.

Já dizia Aristóteles que a virtude moral é resultado do hábito e, mais recentemente, Mahatma Gandhi sugeriu que cada um seja “a mudança que quer ver no mundo”.

Todos unidos contra a corrupção. Não aceite. Diga não. Denuncie.

[1] – FILGUEIRAS, F. A tolerância à corrupção no Brasil: uma antinomia entre normas morais e prática social. Opinião pública, vol. 15, nº 2, novembro, 2009.

[2] – HABIB, Sérgio. Brasil: Quinhentos anos de corrupção. Enfoque sócio-histórico-jurídico-penal. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1994.
[3] – BIASON, R. Breve História da Corrupção no Brasil. Franca, 2010.

Fonte: HTTP://JOTA.INFO/COUUU